quarta-feira, 3 de março de 2010

O COMUNICADO

Desde 18 de Outubro de 2009 que nada escrevo neste espaço. Impus a mim próprio um tempo de paragem e reflexão, tentando não me deixar envolver em campanhas ou ondas noticiosas sempre apetecíveis, mas nem sempre rigorosas ou com um elevado grau de contexto publicitário. Falo sobretudo de temas sociais e neste sentido amplo também de questões de natureza política. São esses os temas que mais me motivam e, passe a imodéstia, tenho direito a exercer a minha cidadania como qualquer outra pessoa, dizendo e escrevendo o que penso sem ter de me sentir escravo de correntes de opinião venham de onde vierem, e sempre com a intenção de contribuir, à escala da minha intervenção, para que as coisas tomem rumo.
Muita coisa aconteceu nestes últimos meses cá e por esse mundo fora, e nem vale a pena relembrar a lista de temas possíveis, não só porque todos a conhecem mas principalmente porque, no que a nós portugueses diz respeito, o rol não é muito brilhante.
Curiosamente assalta-me a sensação de estar a iniciar as minhas aventuras na blogosfera. Exactamente o mesmo estado de espírito com que decidi escrever um primeiro texto (Desígnios Nacionais) num outro blogue, já lá vão mais de dois anos.
Esta percepção levou-me a reler esse texto inicial para fazer a mim mesmo a pergunta:
-Afinal o que é que mudou?
Por aqui continua-se a brincar aos países, aquilo que tenho muitas vezes chamado de “faz de conta” e, decerto defeito meu, não vislumbro grandes desígnios nacionais nos dias de hoje, nem jeitos de alguém ser capaz de os definir e promover.
Descontemos talvez o centenário da República.
Há por aí quem se esforce para nos relembrar o festejo mas, outra vez seguramente defeito meu, não sinto na nossa sociedade qualquer especial motivação para o mesmo.
Quem anda na rua e contacta o cidadão comum rapidamente percebe que à maioria das pessoas tanto faz serem os 100 anos da República como da “Morgadinha dos Canaviais” ou o pelourinho de “Freixo de Espada à Cinta”.
O povo português anda preocupado com outras coisas que a República não só não resolveu como, em muitos casos, agravou.
Ocorre-me ter escrito há tempos que sentia a sociedade portuguesa estar a atingir o limite moral da decadência.
Dito de modo mais cruel, estar a chegar à beira do precipício.
E ontem deu-se mais um episódio.
Quem lê o comunicado que saiu da reunião do Conselho Superior do Ministério Público percebe e pergunta duas coisas:
-O que é que se pretendeu explicar e justificar?
-O que é que melhorou com tal reunião?
O dito comunicado é opaco, fechado, defensivo, e não revela a energia e pujança que uma das mais altas estruturas do nosso sistema judicial, pilar básico do regime, deveria evidenciar.
A Justiça ter de ser clara e transparente é uma coisa.
Ter de defender-se sem explicar nada é outra.
Nem me interessa falar sobre o badalado caso das escutas que, podendo ser grave, tem sido tratado em muitos sectores ao nível de uma novela mexicana.
O que me preocupa é que os representantes das mais importantes estruturas que suportam um Estado de Direito já não sabem o que hão-de dizer.
E então exportam comunicados formais, para exprimir que cada um agiu dentro das suas competências legalmente consagradas.
Muito obrigado pelo esclarecimento mas isso todos nós já sabíamos.
Talvez fosse até melhor não dizerem nada.
O que preocupa é ver aqueles que deveriam assumir frontalmente as rédeas de sustentação de um regime, preferirem adoptar uma atitude de pretensa explicação com o único objectivo de se resguardarem de eventuais responsabilidades.
Isso é sinal de fraqueza, e não se aplica só à Justiça.
E o pior é que já ninguém acredita.

HPeter